A metodologia clínica desenvolvida por Wilhelm Reich, que foi médico e membro da Sociedade Psicanalítica de Viena - antes de romper com a Psicanálise Freudiana - , se diferencia muito de boa parte das metodologias terapêuticas mais conhecidas nas clínicas de psicologia. Isso se deve a um fator que marca de maneira especial a terapia reichiana: o foco no corpo e em seu funcionamento integrado à mente.
Toda a metodologia de Reich só se faz possível na medida em que esse autor parte do pressuposto de que mente e corpo formam, juntos, uma unidade indivisível e funcionalmente coerente (ou seja, não funcionam de maneira isolada e independente um do outro). Rejeitando o dualismo mente-corpo, Reich começou a colocar em cheque a forma exclusivamente verbal com a qual boa parte das psicoterapias era e é - ainda hoje - conduzida.
Apesar de reconhecer na verbalização uma ferramenta terapêutica importantíssima, a visão clínica de Reich nos convida a ir além: não apenas falar intelectualmente do que sentimos, mas entrar em contato, de maneira encarnada e implicada, com aquilo que sentimos e aquilo de que falamos em clínica.
A própria etimologia da palavra emoção remete à noção de “movimento para fora”. Ou seja, emocionar-se abarca um movimento do nosso organismo como um todo, e não apenas um estado mental. Por isso, a tarefa mais primordial da terapia reichiana é possibilitar ao paciente sentir.
Muito além das interpretações dos sintomas e da elaboração de conteúdos inconscientes, a terapia reichiana nos convida a pensar no funcionamento do nosso organismo de maneira integrada: em como é o que fazemos, a partir do que nos aconteceu em nossa vida. Isso também coloca o paciente em um papel ativo em seu próprio processo terapêutico, onde ele é convidado não apenas a falar de maneira implicada, mas também a observar e entrar em contato com o modo como ele vive, como conduz suas relações interpessoais, familiares e consigo mesmo, de onde obtém satisfação e prazer; quais são as fontes da angústia e sofrimento que ele porventura sente…
Essa análise do modo de funcionamento do paciente se dá tanto pela via verbal - a partir da análise do caráter (que é definido por Reich como a expressão global do modo de ser das pessoas, seus trejeitos, comportamentos e, em suma, personalidade) - quanto pela via do corpo: quais movimentos seu corpo faz, em consonância com a sua mente, para que seu organismo persevere e sobreviva àquilo que, historicamente, você precisou sobreviver?
Uma gastrite nervosa, por exemplo, surge aleatoriamente? Dores crônicas e desvios posturais surgem ao acaso? Ou tudo isso está integrado à forma como nosso organismo precisou se adaptar a traumas e intempéries (sejam eles intra uterinos, neo-natais ou da tenra infância)?
Apesar de muitas pessoas serem levadas a pensar que, devido a esse aspecto global do pensamento reichiano de conceber a saúde dos indivíduos, esse método clínico se trata de um método psicossomático. Mas vale ressaltar que, diferente da psicossomática - que tende a muitas vezes privilegiar o significado de afecções somáticas no paciente - a metodologia de Reich privilegia o modo como essas afecções somáticas funcionam de maneira integrada aos problemas psicológicos que afetam o indivíduo - entendendo essas afecções somáticas também como uma parte dos esforços de sobrevivência que aquele organismo teve de fazer ao longo de sua existência.
Essa análise do funcionamento global do paciente conta também, na terapia reichiana, com a via do corpo: práticas corporais são utilizadas para auxiliar o paciente a entrar em contato com emoções e tensões crônicas que todos nós desenvolvemos ao longo da vida, de maneira individualizada.
Um outro equívoco é associar essas práticas corporais a movimentos invasivos do terapeuta em direção ao paciente, como o ato de “manusear o genital” ou coisas do tipo. Na vegetoterapia caracteroanalítica, metodologia pós-reichiana que sigo, não só isso não acontece, por ser considerado anti-ético e por não haver fundamento teórico ou prático que o justifique, como é o próprio paciente que realiza as práticas - em sua maioria, deitado à maca ou em uma esteira - seguindo às instruções verbais do terapeuta, que apenas o observa à distância e acompanha o seu processo.
Essas práticas corporais recebem o nome de actings e são realizadas de maneira integrada com a parte verbal da terapia, em que o paciente tem liberdade para falar de suas questões e se expressar a respeito de suas vivências e emoções.
É a partir dessa metodologia, que integra os processos mentais e corporais e toma a mente e o corpo como a unidade que eles naturalmente formam, que a terapia reichiana convida o paciente a sentir de maneira encarnada e a se implicar com suas emoções - além de o convidar, é claro, a usufruir de toda a potência que esse processo passa a representar em sua vida.
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